segunda-feira, 16 de maio de 2011

Você votaria em um predador sexual?

Suponho que todo o mundo saiba a que vem o título desta "janela". É óbvio que se refere à prisão em Nova York do diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, Dominique Strauss-Khan, acusado de atacar sexualmente uma camareira do Hotel Sofitel em plena Times Square de Nova York.

Antes mesmo que você eventualmente me pergunte, já vou respondendo: não, eu não votaria. Abuso sexual revela uma grave deficiência de caráter e, do meu ponto de vista, quem tem deficit de caráter não merece meu voto, mesmo que seja absolutamente brilhante em tudo o mais.

Mas não tenho o direito de deixar que minha opinião ofusque o fato de que predadores sexuais, de repente, sejam bons governantes. Há casos célebres, ambos nos Estados Unidos, o dos presidentes John Kennedy e Bill Clinton. Na França, há o exemplo de François Mitterrand, que ficou 14 anos no Palácio do Eliseu, apesar de levar uma vida sentimental dupla, só revelada após a sua morte.

OK, aceito que há diferenças importantes entre sexo consentido (casos Kennedy, Clinton e Mitterrand) e forçado (caso Strauss-Khan). Mas o fato de os três primeiros serem todo-poderosos sempre permite supor que suas parceiras cederam ao poder mais que ao homem.

Aliás, o caso anterior de Strauss-Khan poderia se enquadrar nessa categoria. Em 2008, ele se envolveu com uma subordinada (casada, como ele), Piroska Nagy. Mas uma investigação concluiu que ele não abusara de sua posição e que o "affair" havia sido consensual.

Foi absolvido até pela mulher, a jornalista Anne Sinclair, que disse, na ocasião: "Essas coisas acontecem na vida de qualquer casal".

Clinton também foi absolvido pela mulher, Hillary, provavelmente com base no mesmo raciocínio.

De fato, essas coisas acontecem, mas casais cuja carreira depende do voto do público enfrentam consequências diferentes. Daí a pergunta sobre o voto a um predador sexual: Strauss-Khan é (ou era) o favorito para se tornar o candidato do Partido Socialista à Presidência da França na eleição do ano que vem. Todos os jornais que li ontem davam sua candidatura como morta, bem como sua gestão à frente do FMI.

O "New York Times", por exemplo, escreve que "há um reconhecimento geral de que qualquer que seja o desenlace --a menos que a polícia tenha cometido um erro horrível-- a prisão explodiu as esperanças políticas de Strauss-Khan, tumultuou o cenário político francês e encerrou abruptamente sua carreira no FMI, o qual está no meio de uma negociação crucial a respeito de empréstimos para nações em dificuldades da União Europeia".

Há até quem insinue que a provável saída do diretor-geral modificará o jogo do socorro a Portugal, Grécia etc. Não acho, não. Strauss-Khan, como qualquer diretor-gerente, não é dono do FMI, cujas políticas são ditadas pela diretoria executiva, formada por 24 funcionários que representam os países do Fundo. Na prática, até que se implementem reformas já aprovadas e os países emergentes ganhem mais voz e voto, Estados Unidos e os grandes países europeus é que determinam o que o Fundo faz ou deixa de fazer.

O episódio me provoca uma segunda pergunta: e se fosse aqui?

Não, não estou dizendo que, nos Estados Unidos, todos são sempre iguais perante a lei. O "sabe com quem está falando" é uma prática universal. Mas, aqui, seria levada a sério a denúncia de uma arrumadeira de hotel, guineana de 32 anos, mãe de dois filhos, contra o todo-poderoso chefão de uma grande organização?

Ah, antes que me esqueça, as características do episódio reavivaram uma discussão anterior que, para simplificar, gira em torno da seguinte questão: pode-se ser autenticamente socialista e ao mesmo tempo levar vida de rico? Strauss-Khan já fora patrulhado na semana passada, ao subir a um Porsche de um assessor. Agora, hospeda-se em uma suite de US$ 3.000 a diária, além de ter sido preso na cabina de primeira classe da Air France.

Não sei responder à pergunta, que nem me parece relevante. Do meu ponto de vista, relevante é o fato de que o FMI dá a seus altos funcionários e mesmo a alguns não tão altos vantagens abusivas (aposto que tanto a suite do hotel como a primeira classe do voo são pagas pelo Fundo). A burocracia do FMI concede aos seus regalias ao mesmo tempo em que cobra dos países em desenvolvimento ajustes austeros.

Posto de outra forma, me incomoda mais o estilo FMI do que o estilo Strauss-Khan.

Clóvis Rossi

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".

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